“Vareta de Tinta” é o culminar de um processo reflexivo em que um sujeito mais ou menos
poético passa a tinta as suas inquietações. Pretendemos com esta rubrica dedicada à poesia
que os estudantes possam ler e refletir sobre os textos e, de alguma forma, se identificarem. O âmbito mais sério deste momento concede-lhe, também, uma beleza singular. Para além
disso, quem sabe se não descobres uma “artéria poética” e partilhas com o nosso núcleo.
Aqui escrevo incredulidades
Bradadas no silêncio dos meus olhos.
Poetizo até o ar,
Concretizo os meus caprichos.
Poeta não é entendido.
Poeta desnutre-se para ser vivido.
22/03/2020 (Dia Mundial da Poesia)
MURO
Poeta fingido,
Âmago dorido.
Pra ti choram
Os sorrisos abocanhados.
Em ti poisa
A paz de entristecer,
Pelo que foi
E não voltamos a ter.
Breves brisas
Resfriam o coração,
Roxo de desgosto,
Purpo de emoção.
(Asfixiando…)
Que teus olhos
Trespassaram meu corpo,
Dois pedaços
Caíram ao chão.
Que o velho negro
Tornou-se muro,
E o horizonte…
Morre na tua mão.
Beatriz Santos
Drenagem
Sentei-me à porta da gruta.
Aliciante sugadora de luz.
Outra vez (suspiro).
Porque ninguém está lá
E eu quero entrar
Para deixar de ser.
Adeus sangue,
Adeus alma, adeus arte.
Que eu finjo fugir da morte
Para te ter.
E não tenho.
Beatriz Santos
EMBRIÃO
BEATRIZ SANTOS
Solidão vanguardista,
Palpitante no calor do meu útero.
Alimento-te como quem ama
O obscuro de não ter.
Nada. O infinito.
Cresces ao som do silencio,
O mais horrível ruído,
Mas és só um bebé.
Um frágil bebé.
Acolhido das palavras vazias
De um homem implacável.
SINOS
Os sinos tocavam
Sofregamente no cimo da torre.
Uma última homenagem
Consentânea com a perda,
Também ela barulhenta nos corações.
Mas o murmúrio metálico,
Silencioso para os que sofrem,
Para os que estão perto,
Torna-se demasiado audível
Aos que não sabem a história.
E assim foi uma alma
Embalada na tradição cristã,
Bonita de fachada.
Só que eu continuo sentada
Na estação cinzenta e fria,
Esperando o inter-regional
Que atrasa a minha vida.
Beatriz Santos
TEMO
Ela desvia o olhar
Conforme o medo elui
Pelos vasos frágeis
Do sistemático organismo.
A complementar ciência
Tolhe os sentidos.
Pisca a pálpebra,
Engole 2ml de cuspe
E turva fica a valsa
Que irrompe ao amanhecer.
Porque os arrepios são lidos,
Escritos, dançados.
Não pipetados.
Na verdade, ela era só míope.
Beatriz Santos