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Eutanásia

Se ao falar de morte medicamente assistida despertamos preto ou branco e muito pouco cinzento é porque o consenso num tema de tamanha dimensão está condicionado ao que àquele que pede diz respeito. Se assim for, não estaríamos a perder coerência na medida em que o tema pressupõe um terceiro que ajuda a colocar o ponto final à vida? 

Que baixa a taxa de suicídio poder pedir para morrer por lei e não só por vontade e consumação pode ser a ilusão que leva muitos a dizer que sim à eutanásia. Por sua vez, fica a hipocrisia daqueles que dizem não à eutanásia mas que aceitam o direito a não receber tratamento; para morrer devagarinho e aproveitar o direito à vida no entretanto. Evocar a dignidade de quem quer ver legal o direito à morte choca com o pressuposto de que a liberdade e a dignidade partem do direito à vida. Porque eliminar a pessoa que sofre não é eliminar o sofrimento. Acrescenta-se que a vida é sempre digna de proteção, não deixando por isso a morte de ser uma prova de compaixão.

Há quem defenda questões económicas. Pelo custo associado aos doentes em final de vida. Porque tudo, em algum ponto, gira à volta do dinheiro.

A verdade é que este é um tema de três versões, há o apoiar, o discordar e o depende. O nosso governo é na base do depende. Depende da idade que o indivíduo tem, porque se tiver 17 anos e meio ainda não viveu o meio ano decisivo ao seu poder de decisão. Falta tanta consciência e capacidade de compreensão no dia anterior ao décimo dezoito aniversário que, de facto, compreende-se a espera. Depende de dor extrema ou agonia prolongada, traduzido em algo físico, incurável e fatal. Porque hoje em dia, como ninguém é bom da cabeça, doença mental não é incluída. Porque não ser bom a cabeça e ter uma doença mental diagnosticada para a vida com prognóstico pouco animador é a mesma coisa. Além disso, o paciente tem de estar mentalmente são e consciente do seu pedido. Portanto o anteriormente referido não conta. Claro está que não se aplica: a dor de perder um filho para o Alzheimer esquece-se facilmente e portanto não cumpre o requisito de prolongada. Por fim, a decisão é tomada pela própria pessoa e é revogável, isto é, a pessoa pode mudar de decisão a qualquer momento.

Resumindo, não se vai matar crianças, vão matar-se pessoas que já vão morrer num futuro próximo, pessoas que estão a sofrer dores inimagináveis enquanto esperam pelo juízo final; ninguém pode ditar a morte de quem não gosta porque a decisão tem de partir do próprio e se for uma pessoa indecisa, não faz mal, pode mudar de ideias à última da hora. Nestes termos, só Deus é que não foi ouvido, o resto arranja-se. Assim, fica a dúvida, então qual é o foco de tanta indecisão? 

Muitas fazes fica pouco clara a questão de querer morrer. Porque a maioria das vezes não se quer é viver mais. É nesta pequena nuance que cabe toda a diferença. Não é a morte que vale a pena mas sim a vida que deixa de valer. E a dúvida surge, será mutável a situação de forma a levar à mudança de opinião? Depois de morto não se opina, mas há certos momentos em vida que a opinião há muito que deixa de existir e dá lugar a um “tanto faz” porque a dor está lá a acompanhar cada decisão.

No final das contas por mais ou menos aprovação, independentemente de multiplicar ou dividir opiniões, ou corações, a decisão é individual, apesar dos múltiplos envolvidos. Não afeta terceiros, os quais falam sem que o sofrimento toque o próprio ou o próximo.

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Texto de Carina Baptista

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