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Reflexão pré-Natal

I

É isto que a sociedade quer? É para uma sociedade absurdamente autocentrada e fútil que caminhamos?
Há uns tempos comecei a assistir a um programa do Canal Q, “Querido Diário”, e uma das residentes do programa referiu que o Expresso vendia nos dois primeiros meses do ano 54 000 jornais, fazendo depois referência a uma fotografia que podia chegar potencialmente a 16 500 000 de pessoas. À primeira vista achamos natural, não que tenha sido a minha opinião, simplesmente é algo a que já nos vamos acostumando, erroneamente. Uma só fotografia alcança milhões de pessoas (embora seja um número falso) em horas e um
jornal que nem em dois meses alcança esse número. Isto é, mesmo sabendo que o que corre na internet, em específico nas redes sociais, como o instagram, se trata maioritariamente de uma mentira, de uma realidade não muito viável, continuam categoricamente a seguir os chamados influencers de um modo que me ultrapassa
e confunde. Acredito que alguns possam transmitir algum tipo de conhecimento, um belo ‘passar de
tempo’ e uma gratificação ilusória, felizmente não ter instragam ajuda. Os ‘habitantes do mundo digital’ dão-nos uma força para avançar com uma possível dieta, um estilo de vida mais saudável, uma multividência mais positiva, aprender a fazer o ‘delineado gatinho’ e aquela satisfação pelos típicos ‘unboxings’? Sim…, todavia chegamos a um ponto de quase rutura, em que o que transparece é que a fotografia de alguém denominado ‘influencer’ (termo que pessoalmente me irrita), por exemplo, é mais educativo do que um artigo ou
programa que aborde determinado assunto de importância global. Assumo que se torna complicado ‘separar águas’ – por um lado tornam acessíveis certos temas, por outro até que ponto, por exemplo, uma fotografia com n ‘gostos’ deverá ter uma equivalência monetária? E por aí continuamos. Embora as novas tecnologias sejam fabulosas para disseminar conteúdo e desse parte seja uma base importante, uma fração da população não tem noções chave relativamente a áreas como a política, economia, ciência ou simplesmente não fazem ideia do que se passa diariamente, das problemáticas existentes. Ninguém está a dizer que é necessário ser um
‘expert’ e eu de todo que não o sou. Digo sim que é necessário aproveitar as ferramentas à nossa disposição para nos educarmos e ganharmos alguma consciência. Também ninguém diz que temos de deixar de acompanhar youtubers ou pessoas cujo trabalho nos inspire e que gostemos; eu própria sigo algumas. O modo como o fazemos, a prioridade que lhe atribuímos, do que se trata e se é nossa verdadeira intenção é que ditam o resto.

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II

 

Kafka disse algo que pode parecer absurdo, mas que faz pleno sentido: “Uma gaiola à procura de um pássaro”. É assim que vejo a sociedade. Repara que a sociedade não existe realmente em si; é um conceito; é algo artificial, criado por ‘nós’. Nesse sentido, moldado às nossas pretensões, ou pelo menos a algumas pretensões. Um quase Homem criado à imagem de Deus, sendo que nem todos podem ser Deus.
Nisto se cria, cresce e enraíza o capitalismo como o conhecemos. Não entrarei em pormenores políticos ou históricos que para o que quero se tornam inúteis. O capitalismo do dias de hoje e mesmo o do passado subsiste entre outras razões, pelas ‘modas’ e todos nós nos encarregamos um pouco disso. Um exemplo rápido: ‘Todos’ conhecem a Maria, alguém que publica n fotografias no instagram de viagens, autênticas produções fotográficas! A Maria tem milhões de seguidores que a admiram (ou não). Como tal, porque não pagar à Maria para promover uma marca de cosméticos ou roupa? Decerto imensas pessoas vão ficar tentadas a adquirir os produtos – quem tiverem capital para pagar à Maria vai conseguir alcançar mais clientes. Aqui temos um exemplo rasca do modus operandi do capitalismo.
E é assim… O que urge à maioria das pessoas alcançar (ou que são induzidas a) vai ser sempre proveitoso
para outrem, enquanto o resto mergulha na decadência.
O mundo das artes pode parecer um alvo frutífero, mas a realidade é outra. O cinema português, por exemplo, não pode ser comparado ao cinema de Hollywood. Quantos milhões recaem sobre Hollywood? Aí está. Outro exemplo podemos encontrar no teatro. Porque é que só algumas músicas, filmes, pinturas alcançam sucesso? Será uma questão de qualidade? Sorte?
Viver da arte é difícil e dentro dela vemos segmentos mais deteriorados do que outros. Será uma questão de ‘pele’?
Negócio.
Um negócio para o conjunto. Não há individualidade.
Não somos Pedro, Ana, Miguel ou Joana…somos números.
Grande parte não se dá conta de tal.

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III

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CULTURA: Onde estamos; para onde nos encaminhamos.
Neste presente momento tem de se construir algo que capte a atenção da maioria das pessoas, que acabam por ditar o que se segue. A chamada cultura de massas - uma tentativa desmensurada de homogeneização/manipulação que não é só de agora.
E se temos tecnologia, tanta informação à nossa disposição, como é que nos tornamos fantoches, alvos tão fáceis?
Torna-se ainda mais que necessário, não só manter a cultura viva, mas também a conservar, evitando o seu ‘mau uso’. Isto é, que adianta diversas pessoas diariamente frequentarem o cinema, adquirirem livros, viajarem para outros países com diferentes costumes para, no final, tudo o que viram, leram, ouviram, experienciaram, se é que o fizeram, não for absorvido (com certos filtros, claro), interpretado, lhe dado sentido? Será ‘para inglês ver’? Será ‘a indústria trabalhar’? Cultura é mais que uma palavra, é todo um conceito complexo que envolve mais do que ter conhecimento acerca de uma série de assuntos ou de uma área em específico. Trata-se, em traços largos, de um autodescoberta e da descoberta do mundo que nos rodeia. Não deve de ser um ‘objeto’ de presunção, mas sim algo intangível e inatingível. Porque só tendo isto em mente, poder-nos-emos alimentar mais e mais, num calmo desassossego, sem correr o risco de cairmos no orgulho desmedido.

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Mariana Alves

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